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APAHSDF NA VEJA BRASÍLIA

ESPECIAL

Talento prematuro

O Distrito Federal apresenta o maior número de alunos superdotados identificados no país. Conheça as habilidades e as limitações dessas crianças

›› Nome: Augusto César Theodoro Miguel ›› Idade: 9 anos ›› Habilidades: criatividade e linguística. Inventou o jogo Augustópolis (Foto: Roberto Castro)
›› Nome: Augusto César Theodoro Miguel ›› Idade: 9 anos ›› Habilidades: criatividade e linguística. Inventou o jogo Augustópolis (Foto: Roberto Castro)
10.out.2014 12:08:03 | por Clara Becker e Paulo Lannes
Aos 3 anos, Augusto César conseguia ler embalagens de produtos. Também chamava a atenção de seus pais a velocidade com que memorizava falas dos anúncios de TV. Com 4, Any Beatriz era capaz de ficar a tarde inteira trabalhando em um desenho. Davi, com a mesma idade, já apresentava um conhecimento sobre mitologia nórdica tão incomum quanto a facilidade com que Taíssa, desde os 8 anos, grava e edita filmes no tablet. E os pais de Kauan, 10, nem imaginam onde o filho tem aprendido línguas estrangeiras. Identificados como superdotados, os meninos e meninas citados mantêm outro traço em comum: a paixão pela leitura. Ao contrário da maioria de seus colegas, se eles forem soltos em um shopping, sairão correndo rumo à livraria mais próxima.


(Foto: Michael Melo)

›› Nome: Any Beatriz Marques
›› Idade: 11 anos 
›› Habilidades: pintura e língua portuguesa. Ficou emsexto lugar no concurso de crônicas na Bienal Brasil, disputandocom alunos do ensino médio


Essa usual sede de conhecimento, no entanto, não significa interesse por todas as áreas nem habilidades acima da média nos mais diversos campos intelectuais e artísticos. O primeiro mito a ser derrubado na discussão do tema é o de que essas crianças se mostram excepcionais em tudo. Com características diferentes do precoce, do prodígio e do gênio (veja o quadro abaixo), o superdotado geralmente apresenta grande facilidade num determinado segmento. É criativo, tem habilidade acima da média e grande envolvimento com as tarefas a que se propõe. Por outro lado, muitas vezes o seu rendimento nas matérias pelas quais não cultiva apreço chega a ser regular ou medíocre. Hoje, a Organização Mundial da Saúde calcula que pelo menos 5% da população planetária possui algum tipo de alta habilidade, designação que pode ser usada como sinônimo de superdotação. O Censo Escolar de 2010 identificou no Brasil 2 769 crianças com essa característica, ou seja, 0,004% dos 55,9 milhões de alunos do país. Desse número, mais da metade reside no Distrito Federal.




A impressionante estatística não permite concluir que a capital é o lar do conjunto de estudantes mais inteligentes da nação. Na verdade, esse levantamento maciço, que aponta 1 533 jovens brasilienses com altas habilidades, está muito escorado num programa local de atendimento a esse público, o mais antigo do país. Tal serviço, iniciado em 1976, é fruto de uma pesquisa promovida por um grupo de professores do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília. Desde então, ele vem sendo aperfeiçoado. Em 2005, quando o Ministério da Educação instituiu em âmbito nacional os Núcleos de Altas Habilidades e Superdotação, o nosso modelo virou referência. O programa federal, contudo, não foi bem-sucedido.

Por isso, não por acaso, as conquistas nacionais mais recentes nessa área saíram de Brasília. Uma lei distrital aprovada em julho, por exemplo, tornou obrigatório o ensino específico aos alunos que apresentam capacidades raras. “Assim, não ficamos dependendo da boa vontade do governo de plantão”, diz Valquíria Theodoro, presidente da Associação de Pais, Professores e Amigos dos Alunos com Altas Habilidades do DF. O texto determina ainda que 30% das vagas dessas turmas sejam reservadas a estudantes de colégios particulares. A inusitada preocupação tem justificativa. Hoje, as escolas privadas da capital ainda não disponibilizam um programa específico para o segmento. Como há grande procura pela oferta pública, alguns pais com bom poder aquisitivo chegam a matricular os filhos no ensino estatal apenas para garantir o acesso deles ao serviço. A próxima batalha coletiva, segundo Valquíria, será aprovar uma emenda à Constituição no Congresso Nacional. Atualmente, o código prevê uma educação inclusiva, que deve atender os alunos com necessidades especiais. Não há, contudo, menção expressa aos superdotados. “Por especial entendem-se aqueles que têm deficiências como síndrome de Down, autismo, déficit de atenção e hiperatividade. Mas os que demonstram altas habilidades também precisam de uma educação específica”, afirma a presidente.

Outro grande desafio desse nicho é garantir uma fácil e acessível identificação de crianças superdotadas. Hoje, não se adota mais o famoso teste de QI para mapeara inteligência acima da média. Critérios como criatividade também são considerados. Psicólogos costumam empregar um questionário com 24 itens para fazer uma avaliação global do indivíduo (veja o quadro no final da matéria). Os resultados desses testes revelam um perfil variado e democrático, que vai desde o estereótipo do nerd, a criança pouco sociável que foge para a biblioteca na hora do recreio, até o líder nato, comunicativo e carismático. A classe social também não serve como recorte — no DF há alunos moradores de rua identificados como superdotados. Os genitores com recursos compram livros, levam os filhos para viajar. Os alunos cujos pais são analfabetos, por exemplo, acabam, por necessidade, lendo mais e aprendendo a fazer contas para ajudar em casa. Basta, portanto, ter predisposição genética e um ambiente em que o talento possa florescer.

Nesse processo de descoberta, nem sempre os parentes conseguem aceitar o fato de ter um superdotado na família. Para a psicóloga Andréa Azevedo, os casos mais complicados envolvem crianças que têm algum talento artístico e apresentam péssimo rendimento escolar. “Às vezes, os cadernos não exibem uma anotação, mas trazem desenhos incríveis do início ao fim. Como fazer os pais entenderem que o filho tem superdotação?” No histórico da psicóloga com meninos e meninas de altas habilidades, há desde genitores que sentem vergonha e escondem o fato até os que supervalorizam a capacidade dos filhos.


(Foto: Roberto Castro)

›› Nome: Leonor de Lima
›› Idade: 8 anos 
›› Habilidades: acadêmicas.Aos 7 anos, escreveu um livro que trazia um diálogo filosófico entreo ar e o vento


Mãe de Leonor, hoje com 8 anos, Claudia Guerreiro não se enquadra em nenhum desses extremos. A maior preocupação dela é orientar a filha de forma correta. Leonor foi identificada como superdotada aos 3 anos, quando a professora notou a maturidade de seus desenhos e percebeu que seu nível vocabular estava bem à frente do da turma. “Procuro fornecer as ferramentas necessárias para ela se desenvolver”, diz a mãe. A estratégia parece ter surtido efeito. Aos 7, Leonor escreveu um livro que narra um diálogo filosófico entre o ar e o vento.


(Foto: Roberto Castro)

›› Nome: Luca Megiorin
›› Idade: 9 anos 
›› Habilidades: destaque para ciências. Já deu aulas sobre plantase sistema solar aos seus colegas do ensino regular


A atenção dos pais se faz necessária sobretudo porque, ao mesmo tempo que exibem desempenho acima da média, essas crianças apresentam algumascaracterísticas que as fragilizam, como a autocobrança e o perfeccionismo. Bom aluno em todas as áreas, Luca já deu palestras sobre bactérias, plantas e o sistema solar para os seus amigos. Carregando responsabilidades pouco comuns para um garoto de 9 anos, ele não se permite errar. Segundo Débora Megiorin, sua mãe, houve uma época em que o filho achava que não sabia desenhar direito pés humanos. Por isso, simplesmente parou de fazê-los, até ter a ideia de pintar grama para cobri-los. Segundo especialistas, é comum que a parte psicomotora não acompanhe o ritmo cognitivo. O aluno então cria resistência a fazer o que não executa com a perfeição desejada.

Outro descompasso comum ocorre entre a idade intelectual e a emocional. Devido ao nível vocabular e à capacidade argumentativa, essas crianças aparentam ser mais maduras. Contudo, basta uma provocação dos colegas para elas chorarem feito bebês. “Apesar de muitas vezes parecerem adultos, eles não são. É preciso lembrar disso o tempo todo”, diz Suzanna Marques, mãe de Any Beatriz. Com fluência incomum em língua portuguesa, aos 10 anos a menina ficou em sexto lugar num concurso de crônicas na Bienal do Livro e da Leitura, na qual disputou o prêmio com alunos do ensino médio.


A professora Flavia dos Santos com alunos da turma de recursos especiais da 411 Norte: os meninos com facilidade na área acadêmica são curiosos e rápidos (Foto: Roberto Castro)


Para desenvolverem talentos como o de Any, 63 docentes capacitados atuam nas onze salas de recursos especiais da rede pública do DF. “Aqui, professor não ensina. Somos mediadores de conhecimento”, conta Flavia dos Santos, docente na Escola Classe da 411 Norte. Até aposentar-se, há dois meses, Vera Palmeira trabalhou durante trinta anos com grupos de altas habilidades. “Eles gostam mais de perguntas do que de respostas e exigem bastante do professor”, diz. Vera chegou a fazer curso de astronomia na Nasa e aprendeu a jogar xadrez para estimular seus pupilos. Ela lembra com carinho de uma feira de ciências na qual um de seus meninos discutiu de igual para igual sobre aerodinâmica dos satélites com pesquisadores do assunto. Para Vanessa Tentes, assessora da Subsecretaria de Educação Básica da Secretaria de Educação, todas as escolas precisam trabalhar bem esses talentos. “Nossa nação necessita de muitas ordens de conhecimento. A expectativa é que eles tragam um bom retorno para a sociedade”, afirma. 


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